Certamente todos conhecem aquela cena chocante de um cidadão chinês se colocando à frente de uma coluna de carros de combate, tentando impedir a sua progressão pela Praça da Paz Celestial, em Pequim. As imagens do episódio, registradas em fotos e vídeo por jornalistas instalados em um hotel próximo, decorridos 34 anos – e ainda nas redes – têm forte apelo emocional. A coragem e o heroísmo daquele homem simples do povo, portando, apenas, duas sacolas de compras e confrontando, solitariamente, os poderosos blindados do Exército Chinês, talvez seja um dos símbolos mais expressivos de defesa da liberdade. No final do vídeo, o heroico cidadão – nunca identificado pelas autoridades chinesas e cujo destino sombrio se desconhece – é retirado do local por alguns agentes do estado. Há notícias de que o comandante do primeiro carro de combate da coluna teria recebido ordens – felizmente não cumpridas – de esmagar o manifestante com o seu blindado. Para o resto do mundo, esta imagem icônica, que submete a repressão autoritária ao incansável espírito desafiador, define o que aconteceu na Praça da Paz Celestial. A cena foi oficialmente “apagada” da história da China Comunista. Em pesquisa da BBC, aferindo junto aos chineses se conheciam aquelas imagens, oitenta por cento dos entrevistados responderam negativamente.

Esse episódio foi o triste e lamentável desfecho do massacre de estudantes – e populares – que ousaram desafiar o regime autoritário da China. Os protestos que abalaram Pequim – e dezenas de outras cidades na primavera e no verão de 1989 – foram desencadeados logo após a morte, em abril, do líder dissidente do Partido Comunista, Hu Yaobang, defensor do liberalismo econômico e político. Uma demonstração espontânea de luto público, liderada por estudantes, se transformou, rapidamente, em grandes manifestações que tomaram as ruas, exigindo que a reputação do líder fosse reabilitada e seu legado, vitorioso, levasse a reformas democráticas, liberdade de imprensa e ao fim da corrupção no governo. Entre 15 de abril e 4 de maio, centenas de milhares de chineses ocuparam ruas e praças de inúmeras cidades. Na noite de 3 de junho e na manhã do dia 4, a Praça da Paz Celestial foi alvo de uma ofensiva militar em larga escala, com blindados e soldados avançando sobre a multidão e, ato contínuo, disparando sobre ela. Alguns manifestantes contra-atacaram, incendiando veículos militares com coquetéis Molotov. Até hoje, a censura e a ausência de qualquer relatório oficial tornam impossível saber quantas pessoas morreram naquela trágica madrugada. Relatos de jornalistas estrangeiros, que presenciaram o massacre, indicam que houve de duas a três mil mortes. Um telegrama diplomático, redigido naquele momento, estima um número bem mais elevado, cerca de dez mil vítimas. Já os feridos, algo entre sete e dez mil, de acordo com a Cruz Vermelha. Ao lado da violenta repressão, o governo chinês empreendeu um grande número de prisões com o objetivo de punir as lideranças do movimento. Além disso, expulsou a imprensa estrangeira e controlou, completamente, a cobertura dos acontecimentos na imprensa local. O último preso relacionado com os protestos foi libertado em outubro de 2016, após as autoridades chinesas terem reduzido em onze meses a pena aplicada. Miao Deshun, de 51 anos, foi libertado da prisão de Yanqing, em Pequim, em 15 de outubro de 2016, após mais de 27 anos na prisão. Em janeiro de 2006, um contrato com o Google confirmou que o assunto continua muito sensível para o governo chinês, pois a web local do Google (Google.cn) aplica restrições às buscas da revolta da Praça. A publicação de artigos sobre os protestos de 1989, tanto na versão em inglês como em chinês, é considerada responsável por vários dos bloqueios
da Wikipédia em toda a China.

O massacre da Praça da Paz Celestial integra, sinistramente, o imenso rol de crimes e atrocidades cometidos pelos regimes comunistas ao longo de sua nefasta história, ao mesmo tempo em que nos impõe o DEVER de combatê-los, numa luta sem tréguas, omissões ou concessões. A tragédia de Pequim, como qualquer genocídio, jamais será esquecida por todos nós, que defendemos a verdadeira democracia e cultuamos a liberdade como bem essencial à condição humana.

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*o autor, 83 anos, é historiador, presidente da Liga da Defesa Nacional – RJ, presidente do Conselho Deliberativo da Associação Nacional dos Veteranos da FEB, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, da Academia Brasileira de Defesa e do Instituto Histórico de Petrópolis. É Patrono, fundador e ex-presidente do Conselho Nacional de Oficiais da Reserva.