Sérgio Pinto Monteiro*
Todas as nações têm datas cívicas em que seus povos comemoram fatos relevantes da história do país. Em muitos casos, a mais significativa delas refere-se ao surgimento como nação independente. Dentre as datas nacionais mais noticiadas, estão o Independence Day, dos Estados Unidos, o 14 de Julho, da França, o Aniversário do Monarca, na Inglaterra, o Dia da Rússia, 12 de junho (e o Dia da Vitória, 9 de Maio), ambas da Federação Russa, o 1º de Outubro, da República Popular da China, o 18 de Abril, de Israel. Em todas elas, as comemorações têm sempre grande participação popular e revestem-se de forte sentimento patriótico. São celebrações desvinculadas de governos. Creio que seria adequado classificá-las como atos típicos dos Estados homenageados e onde suas forças armadas, em última análise guardiães das nações, têm presença levante.
No Brasil, a data de 7 de Setembro de 1822 registra a declaração de Independência do país ao Império Português. O conhecido Grito do Ipiranga, real ou simbólico, representa, sobretudo, a força de um povo cujo sentimento nativista surgiu quase duzentos anos antes, a partir dos combates que, no século XVII, expulsaram o invasor holandês, primeiro da Bahia e, logo depois, de Pernambuco. No Compromisso Imortal, de 23 de Maio de 1645, onde pela primeira vez, em documento, foi usada a palavra PÁTRIA, brancos, negros e índios, unidos, reafirmaram o seu inabalável propósito de vencer os invasores do nordeste brasileiro, o que culminou com as sucessivas vitórias nos combates dos Montes Guararapes, a última delas em 1648, origem gloriosa do Exército Brasileiro.
No início da madrugada de 7 de setembro de 1822, o jovem Príncipe Regente D. Pedro, 23 anos, em viagem com destino a São Paulo, partiu de Santos – onde fora vistoriar as seis fortalezas da região – acompanhado, além de uma pequena guarda de honra, entre outros, do seu “secretário” Luís Saldanha da Gama, do fiel escudeiro Chalaça (Francisco gomes da Silva), do Coronel Marcondes, do amigo padre Belchior, sobrinho de José Bonifácio, e dos serviçais João Carvalho e João Carlota. Já no final da manhã, na subida de uma colina íngreme e sinuosa conhecida como Calçada do Lorena, a caravana foi interceptada por dois emissários vindos do Rio de Janeiro, o Major Antonio Cordeiro e o civil Paulo Bregaro, trazendo mensagens urgentes de D. Leopoldina e do ministro José Bonifácio. As cortes portuguesas haviam emitido decretos reduzindo drasticamente os poderes e atribuições de D. Pedro, sinalizando que iriam destituí-lo da condição de Príncipe Regente. As cartas da esposa e do ministro eram contundentes, estimulando D. Pedro a se rebelar contra tais decisões. Bonifácio, ao mencionar que uma esquadra partira de Lisboa para subjugar os brasileiros “rebelados”, enfático, escreveu: “Senhor, o dado está lançado e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores”. D. Leopoldina, inconformada, assinalava: “Senhor, o pomo está maduro, colhe-o já!” O que aconteceu em seguida, conforme retratado no histórico quadro de Pedro Américo, tem outra versão narrada pela testemunha ocular padre Belchior, através de seu relato escrito em 1826:
“D. Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os e deixou-os na relva. Eu os apanhei e guardei. Depois, virou-se para mim e disse: – E agora, padre Belchior? Eu respondi prontamente: – Se Vossa Alteza não se faz rei do Brasil será prisioneiro das Cortes e, talvez, deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação. D. Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro, Carlota e outros, em direção aos animais que se achavam à beira do caminho. De repente, estacou já no meio da estrada, dizendo-me: – Padre Belchior, eles o querem, eles terão a sua conta. As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal. Respondemos imediatamente, com entusiasmo: – Viva a Liberdade! Viva o Brasil separado! Viva D. Pedro! O príncipe virou-se para seu ajudante de ordens e falou: – Diga à minha guarda, que eu acabo de fazer a independência do Brasil. Estamos separados de Portugal.”
Observe-se que a testemunha padre Belchior, em seu relato quatro anos após, não registra a famosa frase de D. Pedro “Independência ou Morte”. Já outra testemunha, o tenente Canto e Melo, muitos anos depois, afirma que D. Pedro, após a leitura das mensagens, teve “um momento de reflexão”, seguido de uma fala ríspida: “É tempo! Independência ou Morte”. Uma terceira testemunha, o Coronel Marcondes, não estava na colina do Ipiranga, eis que com parte da Guarda se encontrava numa venda próxima do córrego, a chamada “Casa do Grito”. Em sua narrativa, o Cel Marcondes relata que, de repente, o vigia anunciou a aproximação de D. Pedro: “Compreendi o que aquilo queria dizer e, imediatamente, mandei formar a guarda para receber D. Pedro …” “…Mas tão apressado vinha o príncipe, que chegou antes que alguns soldados tivessem tempo de alcançar as selas. Havia de ser quatro horas da tarde, mais ou menos. Vinha o príncipe na frente. Vendo-o voltar-se para o nosso lado, saímos ao seu encontro. Diante da guarda, que descrevia um semicírculo, estacou o seu animal e, de espada desembainhada, bradou: – Amigos! Estão, para sempre, quebrados os laços que nos ligavam ao governo português! E quanto aos topes daquela nação, convido-os a fazer assim! E arrancando do chapéu que ali trazia a fita azul e branca, a arrojou no chão, sendo nisto acompanhado por toda a guarda que, tirando dos braços o mesmo distintivo, lhe deu igual destino. – E viva o Brasil livre e independente!, gritou D. Pedro. Ao que, desembainhando também nossas espadas, respondemos: – Viva o Brasil livre e independente! Viva D. Pedro, seu defensor perpétuo! E bradou ainda o príncipe: – Será nossa divisa de ora em diante: Independência ou Morte! Por nossa parte, e com o mais vivo entusiasmo, repetimos: – Independência ou Morte!
Anteriormente, em seu relato, também o padre Belchior mencionara esse segundo momento do histórico episódio.
Comemorar as nossas datas cívicas é um dever de todo cidadão brasileiro e independe de qualquer outra circunstância, por mais relevante que nos pareça. Principalmente quando se trata do aniversário da PÁTRIA MÃE, onde o SENTIMENTO FILIAL precisa se sobrepor a interesses, conveniências e justificativas de qualquer natureza. Que no 7 de Setembro coloquemos de lado antagonismos e insatisfações, manifestando todo o orgulho de sermos filhos da nossa AMADA PÁTRIA, BRASIL!
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*o autor, 83 anos, é historiador, Oficial da Reserva do Exército, Presidente da Liga da Defesa Nacional do Rio de Janeiro, Patrono do Conselho Nacional de Oficiais da Reserva, Presidente do Conselho Deliberativo da Associação Nacional dos Veteranos da FEB, membro da Academia Brasileira de Defesa e da Academia de História Militar Terrestre do Brasil.
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