Sérgio Pinto MONTEIRO*

Rio de Janeiro, 31 de julho de 1943. Há exatamente 80 anos o submarino alemão U-199 navegava na costa de Cabo Frio, em sua caçada sinistra por novas presas. O Lobo Cinzento (o submarino era pintado no estilo camuflado, nas cores cinza-claro, marrom e azul cobalto, tendo, na sua torre, o desenho de uma embarcação viking) partiu de Kiel em 13 de maio de 1943, chegando à sua área de patrulhamento, ao sul do Rio de Janeiro, em 18 de junho. Os submarinos do tipo IXD2 (very long-range) da 12º flotilha – Bordeaux – começaram a operar em novembro de 1942. Considerados, na época, como de última geração, eram capazes de executar patrulhas de ataque em regiões afastadas do Atlântico Sul. Em suas longas jornadas, eram abastecidos em alto mar por unidades submarinas de apoio, chamadas vacas leiteiras, estendendo assim, ainda mais, sua grande autonomia de 44.000 km. Deslocavam 1.600 ton., atingindo, na superfície, a velocidade de 20,8 nós e, submerso, chegavam a 6.9 nós. Como armamento de convés, tinham um canhão naval de 105 mm, dois canhões antiaéreos – de 37 e 20 mm – e duas metralhadoras pesadas. Podiam operar com 24 torpedos e 44 minas. A tripulação era de 61 homens. O comandante do U-199 era o Kapitänleutnant (capitão-tenente) Hans-Werner Kraus, de 28 anos. A missão, ao lado de outros submersíveis do Eixo, era interromper o fluxo de navios mercantes que transportavam produtos brasileiros para o esforço de guerra aliado.

Em 31 de julho, o U-199 já havia afundado, ou seriamente danificado, os cargueiros Charles Willson Peale, norte-americano, (27 de junho) e o inglês Henzada, (24 de julho). Em 03 de julho, durante a noite, foi atacado e abateu um hidroavião PBM 3 Martin Mariner do VP-74, esquadrão americano baseado na Base Aérea do Galeão, comandado pelo Tenente Harold Carey. Toda a tripulação da aeronave pereceu. Na tarde de 22 de julho, em ato de extrema covardia, atacou e afundou a tiros de canhão o pequeno barco de pesca brasileiro Shangri-lá, matando seus 10 tripulantes.

Naquela manhã de 31 de julho, navegando na superfície, o Lobo Cinzento avistou um avião ainda distante e o comandante Kraus, na torre, comandou força total à frente e mudança de rota. A tripulação teria entendido mal a ordem e iniciou uma frustrada submersão, que retardou a fuga do submarino. A antiaérea então foi acionada. O avião americano, um PBM 3 Martin Mariner comandado pelo Tenente Walter F. Smith, lançou seis bombas de profundidade MK47 que danificaram o submarino, impedindo-o de submergir. Dado o alerta pelo rádio, foi acionada a Força Aérea Brasileira através de um avião Hudson A-28A pilotado pelo Aspirante da Reserva Sérgio Cândido Schnoor, que lançou duas bombas MK17 que explodiram próximas ao alvo, sem, entretanto, provocarem maiores danos. Numa segunda passada, a nossa aeronave metralhou o convés do submarino, atingindo alguns artilheiros das peças antiaéreas. Finalmente, também alertado pelo rádio, entrou em ação um hidroavião Catalina PBY-5 da FAB, pilotado pelo Aspirante da Reserva Alberto Martins Torres que, especialista naquele avião, pôde demonstrar toda a sua perícia. Ele próprio, em seu livro Overnight Tapachula (1985, Ed. Revista de Aeronáutica) descreve o ataque:

Já a uns 300 metros de altitude e a menos de um quilômetro do submarino podíamos ver nitidamente as suas peças de artilharia e o traçado poligônico de sua camuflagem que variava do cinza claro ao azul cobalto…Percebi uma única chama alaranjada da peça do convés de vante, e, por isso, efetuei alguma ação evasiva até atingir uns cem metros de altitude, quando o avião foi estabilizado para permitir o perfeito lançamento das bombas. Com todas as metralhadoras atirando nos últimos duzentos metros, frente a frente com o objetivo, soltamos a fieira de cargas de profundidade pouco à proa do submarino. Elas detonaram no momento exato em que o U-199 passava sobre as três, uma na proa, uma a meia-nau e outra na popa. A proa do submersível foi lançada fora d’água e, ali mesmo ele parou, dentro dos três círculos de espuma branca deixadas pelas explosões…Em seguida, nós abaixáramos para pouco menos de 50 metros e, colados n’água para menor risco da eventual reação da antiaérea, iniciamos a curva de retorno para a última carga que foi lançada perto da popa do submarino que já então afundava lentamente, parado. Nesta passagem já começavam a saltar de bordo alguns tripulantes…Em poucos segundos o submarino afundou, permanecendo alguns dos seus tripulantes nadando no mar agitado. Atiramos um barco inflável e o PBM, lançou dois. Assistimos aos sobreviventes embarcarem nos três botes de borracha, presos entre si, em comboio. Eram doze. Saberíamos depois que eram o comandante, três oficiais e oito marinheiros”.

Foi o fim do Lobo Cinzento, primeiro submarino do tipo IXD2 a ser afundado na II GM. Os doze tripulantes sobreviventes foram resgatados pelo navio-tender americano USS Barnegat, tendo sido encaminhados a uma unidade prisional em Recife e, posteriormente, enviados aos Estados Unidos. O Tenente R/2 Torres foi o único piloto brasileiro que, comprovadamente, afundou um submarino alemão, e pelo feito, recebeu do governo americano a DFC – Distinguished Flying Cross (Cruz de Bravura).

No início de 1944, o Tenente Torres deixou o 1º Grupo de Patrulha, seguindo, como voluntário, para servir no 1º Grupo de Aviação de Caça, que iria combater na Itália. O Tenente Torres, pilotando o P-47 Thunderbolt A-4, integrou a esquadrilha vermelha e realizou 99 missões de guerra ofensivas e uma defensiva, completando um total de 100 missões, tendo sido o recordista brasileiro em missões de combate. Em uma delas, foi condecorado com outra DFCDistinguished Flying Cross. Recebeu, ainda, dos EUA, a Air Medal com cinco estrelas, valendo cada estrela como mais uma medalha. Da França, recebeu a La Croix de Guerre Avec Palme e finalmente, no Brasil, foi agraciado com a Cruz de Aviação Fita A, Cruz de Aviação Fita B, Campanha da Itália, Campanha do Atlântico Sul e a Ordem do Mérito Aeronáutico. Após retornar da Itália, o Tenente Torres foi promovido e licenciado do serviço ativo.

O Capitão-Aviador da Reserva Alberto Martins Torres faleceu em 30 de dezembro de 2001, aos 82 anos, e seu corpo foi cremado em São Paulo.
Antes do falecimento, o então comandante do 1º Grupo de Aviação de Caça, Cel Av Márcio Brissola Jordão, em outubro de 2001, prestou-lhe significativa homenagem, mudando o nome do TROFÉU DO PILOTO MAIS EFICIENTE, prêmio conferido anualmente, no final da instrução, ao melhor piloto de caça da Unidade, para TROFÉU ALBERTO MARTINS TORRES.

A pedido do Capitão Torres, suas cinzas foram lançadas no mar, nas cercanias do Aeroporto Santos-Dumont, antiga sede do 1º Grupo de Patrulha, a primeira Unidade em que serviu como oficial da Reserva da FAB.
Uma aeronave Búffalo conduziu a urna para o local da cerimônia, escoltada por dois aviões de patrulha, P-95 – Bandeirulha do 4º/7º GAv. e dois F-5 Tiger supersônicos do 1º Grupo de Aviação de Caça. Antes do lançamento das cinzas na Baía de Guanabara, os veteranos da FAB saudaram o Capitão Torres com um vibrante ADELPHI!, seguido por um sonoro A LA CHASSE!, grito de guerra da aviação de caça brasileira. Em seguida, foi realizado o lançamento das cinzas do nosso herói e de uma coroa de flores, homenagem do Comando da Aeronáutica.

Tive a honra de conhecer o Capitão Torres. O exemplo daquele punhado de jovens que, na Segunda Guerra Mundial, não hesitou em se sacrificar – no mar, na terra e no ar – pela manutenção dos princípios e valores que forjaram a nacionalidade, deve estar sempre presente nos corações e mentes dos verdadeiros brasileiros.**

FORÇA AÉREA BRASILEIRA, ASAS QUE PROTEGEM O BRASIL!

*O autor, 83 anos, é historiador, Oficial da Reserva do Exército, Presidente da Liga da Defesa Nacional – RJ, Patrono do Conselho Nacional de Oficiais da Reserva – CNOR, Presidente do Conselho Deliberativo da ANVFEB, membro da Academia Brasileira de Defesa, da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e do Instituto Histórico de Petrópolis.

**Condensado do artigo original do mesmo autor: “Tenente Torres: a vitoriosa Reserva da FAB”, publicado em “Ideias em Destaque”, do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, nº 40 – jan/abr. 2013 – pags. 07 a 21.